Wagner Lemos - Fale-nos sobre o começo de tudo... sua
infância, origens, seus pais, cidade natal... um fato marcante dessa
época... seus primeiros contatos com o mundo da palavra...
Gizelda Morais - Falar disso seria quase um romance, Wagner.
Resumindo: nasci na cidade de Campo do Brito. Minha mãe (Maria
Pureza Santana Morais) era professora estadual, meu pai (Antonio
Dória Morais) estava em São Paulo tentando melhorar de vida na
expectativa de levar a família. Só fui registrada quando meu pai, já
tendo regressado a Sergipe, a família morando em Riachão do Dantas,
nasce minha irmã. Por isso, na minha certidão, consta que nasci em
Riachão do Dantas. Dessa cidade guardo as primeiras lembranças,
inclusive de um drama ensaiado por minha mãe com alunos do Grupo
Escolar e a memória de uma canção cantada nessa peça. Dali a família
se transferiu para a cidade de Tobias Barreto onde tive contato com
o ABC e as primeiras cartilhas. Na feira semanal da cidade descobri
a Literatura de Cordel. Debruçada sobre a mesa onde eram expostos os
livrinhos, examinava as ilustrações e quando comecei a ler passei a
ser compradora assídua, com a conivência de minha mãe que pagava o
débito. Ao ser inaugurada a Biblioteca Tobias Barreto, na pequena
casa que fora habitada pelo poeta e filósofo cujo nome é orgulho da
cidade, comecei a frequentá-la, ainda cursando as primeiras séries
do Primário. Lia o Tesouro da Juventude e os livros (romances,
histórias e viagens) que encontrava nas prateleiras e atraíam a
minha atenção. Foram esses os meus primeiros contatos com o mundo da
palavra escrita. Aos 11 anos, fui para Aracaju, cursar o Ginásio no
internato do Colégio N. S. de Lourdes. No ano seguinte, a família
mudou para Aracaju, eu já começara a fazer versos. Fiz o secundário
no Colégio Estadual Atheneu Sergipense, e antes de terminar o curso
clássico tive o meu primeiro livro de poesias publicado – Rosa do
Tempo, pelo Movimento Cultural de Sergipe, fundado e dirigido pelo
escritor José Augusto Garcez.
WL - Para Gizelda Morais, o que é escrever?
GM - É a minha melhor forma de comunicação com o mundo, de
percepção dos sentimentos, de empatia e interação com os meus
semelhantes.
WL - Qual sua relação entre prosa e poesia? Qual é a mais amada
entre as duas na sua produção?
GM - Comecei com a poesia, como grande parte dos escritores. A
liberdade de forma nesse gênero (sobretudo depois que a
desvencilharam da métrica e da rima) favorece a expressão dos
sentimentos, da observação dos contornos da realidade, das
lembranças do passado e da projeção dos sonhos do presente e do
futuro. O poeta deixa-se embalar pelo ritmo e manifesta as palavras
que surgem de seu consciente e de seu inconsciente, não
obrigatoriamente com sentido claro. A tentativa da prosa vem depois
quando a experiência de vida é mais sólida, quando já se sabe o que
se quer dizer e transmitir - valores, cultura, sentimentos, talvez
um pequeno acréscimo à inteligência do mundo facilmente ultrapassada
no fluxo permanente da vida. Qual a mais amada entre a prosa e o
poesia, não sei. Tenho as minhas fases de paixão por uma ou outra.
WL - Já que nosso portal é voltado para um público
estudantil, fale como foi a sua escolha pela psicologia.
GM - Na verdade, através das leituras e da observação do mundo,
desde cedo me atormentavam aquelas questões que, em geral, afetam os
humanos em maior ou menor grau, de maneira mais ou menos organizada.
– De onde viemos? Para onde vamos? Qual a finalidade da vida? Etc,
etc. Por causa disto eu preferi ir para Belo Horizonte estudar
Filosofia, quando esta oportunidade me foi oferecida, deixando o
curso de Direito para o qual fora aprovada na Faculdade de Direito
de Sergipe. Os primeiros homens que se preocuparam em buscar
respostas para essas questões foram denominados de filósofos –
amigos da sabedoria. Eu queria ser uma amiga da sabedoria. Logo
percebi, ao mudar de Faculdade de Belo Horizonte para a Federal da
Bahia, a diversidade de respostas que eram dadas a essas questões.
Considero isso importante na minha formação, pois, a partir daí,
passei a rejeitar verdades absolutas nos diversos domínios da
cultura humana – religião, política, ciência, filosofia. No amplo
campo da Filosofia, passei a me interessar mais pelas questões
relacionadas à aprendizagem, ao conhecimento, e à construção do
conhecimento através da pesquisa, que constituem a parte da
Psicologia com a qual mais trabalhei no meu exercício acadêmico.
WL - Onde começou o laço psicologia e literatura em sua vida?
GM - A literatura parece ter surgido primeiro (como exposto
acima), mas na realidade é como aquela história do ovo e da galinha.
Teria feito poesia por causa das questões psicológicas
inconscientes, ou teria o envolvimento com a literatura, a atração
por ela, levado-me a procurar explicações na Psicologia para muitas
de minhas indagações?
WL - Como surgiu a idéia de escrever Ibiradiô? Isto é, como
surgiu essa vertente em sua prosa?
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GM - A vertente histórica, manifestada nos romances Ibiradiô
e Preparem os Agogôs (e de outra maneira em Feliz Aventureiro)
surgiu com o meu sentimento de dívida para com dois segmentos de
nossa população, dos quais eu e a maioria da população brasileira
descendemos – a indígena (autóctone) e a africana escravizada –
espoliadas por aqueles que aqui se estabeleceram para tomar posse
das terras e explorar as suas riquezas. A consciência de que a
História oficial, aquela que lemos nos livros escolares, não nos
contava toda a verdade, levou-me a realizar esses projetos – contar
como teria se passado um pouco dessa História através da história
romanceada de alguns personagens, carne, cérebros e ossos, recriados
no ambiente do passado, com o auxílio de textos pesquisados e
contextos imaginados.
WL - A sua experiência de morar no exterior refletiu de
alguma maneira em suas obras?
GM - Claro. Toda experiência de vida é enriquecedora. Ao
interagirmos com outros povos enxergamos aspectos que não
percebíamos quando imbuídos de nossa própria cultura. Vemos o mundo
por outros prismas e ao olharmos o nosso próprio entorno podemos
vê-lo de maneira nova, sabendo, talvez, apreciar melhor suas
virtudes, entender suas mazelas, posturas, erros e dificuldades.
WL - Atualmente quais os projetos de Gizelda Santana Morais?
GM - Estou tentando concluir um romance que remete ao meu
primeiro – o pequeno Jane Brasil. Tenho outros projetos e pretendo
trabalhar até o fim, isto é, fazer o que me for possível, no tempo e
nas condições que me restam.
WL - Uma mensagem para os alunos que farão vestibular
utilizando Ibiradiô.
GM - Que aproveitem bem esse tempo de estudante, tempo de
acumulação de conhecimentos, de reflexão sobre a vida, sobre o nosso
passado e o nosso presente. Desejo que saibam fazer as suas escolhas
profissionais a fim de que, no futuro, exerçam suas atividades com
satisfação, sabedoria e responsabilidade. |